Lava jato e a juventude

Recentemente fui questionado em sala de aula por um aluno que, entusiasmado com o noticiário, queria saber como seria o Brasil “pós lava jato”.

De início achei mais prudente abrir-lhe os olhos para a realidade imposta pela nossa diversidade sócio cultural, já que nossa colonização nunca ajudou. Degredados por crimes sexuais e contra a administração da corte portuguesa, leia-se “corruptos” e “pederastas”, não se constitui, digamos, a melhor matéria prima do caráter de um povo. Afirmei que a mudança de paradigma imposta pelos métodos investigativos na referida operação deverá ecoar nos tímpanos dos engravatados ainda por um bom tempo.

Da mesma forma, elogiei o comportamento proativo da imprensa, que expôs os intestinos putrefatos das relações espúrias entre governantes, empresários e lobistas envolvidos. Mostrei ainda, que precisaríamos mais do que um Ministério Público atuante, uma Polícia Judiciária corajosa e uma imprensa independente.

O país continuaria o mesmo enquanto os brasileiros continuassem furando filas, estacionando em vagas de deficientes, contratando serviços de TV via satélite e dividindo com colegas do condomínio ou tentando subornar servidores públicos. Afirmei que os jovens que “colam” nas provas ou menores que adulteram a carteira de identidade para entrar nas boates, descendem de pais que também se gabam quando compram um atestado médico por cem reais para auferir uma vantagem não prevista no calendário de feriados. Também vítima da filosofia da vantagem, essas pessoas prosperam enganando os outros, seja errando o troco ou sonegando tributos. Enquanto tivermos hipócritas que demonizam os corruptos estampados no JN, mas que acham normal ir até o “camelódromo” comprar produtos piratas, o país vai continuar estagnado no ranking da hipocrisia.

Aumentei o tom de voz quando disse que para o país ser outro, eles, jovens, deveriam entender que a corrupção cotidiana é tão nefasta como aquela que desvia dinheiro da merenda ou da saúde pública. Enquanto o estilo de vida de milhares de brasileiros flertar com o “jeitinho brasileiro”, estaremos condenados ao resultado venal dessa contradição comportamental.

As falcatruas descortinadas em tais operações policiais têm a mesma linhagem da devassidão habitual praticada por aqueles que se sentam no próprio rabo para então apontar o pecado dos outros. Ainda interrompendo a aula acrescentei que essa metástase comportamental é fruto do vácuo ético que permeia todos os níveis de governança (sim…todos).

Quando a “Lei de Gerson” se transmite como um gene de pai para filho, o ciclo torna-se então, vicioso. A fome, a falta de professores, o desemprego, as greves, a desigualdade social, discriminação, falta de informação e os exércitos de favorecidos políticos contribuindo com a gordura inútil da máquina pública, ajudam a manter os déspotas no poder, porém, de outro lado, leva os menos favorecidos a lançar mão dessa decomposição moral como meio de defesa e sobrevivência.

Diante de olhos já arregalados percebi que ao menos restaurei a esperança quando sentenciei que a solução, mesmo que a longo prazo, seria simples; bastaria “ele” transmitir aos filhos a cultura da retidão, pois para sermos bem-sucedidos ou outros não precisam fracassar.

Continuei, dizendo que caráter é aquilo que fazemos quando ninguém está olhando, e que não adianta ter mestrado ou doutorado, se sequer cumprimentamos o porteiro do nosso prédio.

Conclui que, caso não mudássemos nosso cultural comportamento de “salve-se quem puder”, caso não interrompêssemos esse ciclo vicioso de sempre pensarmos em nós antes do coletivo, continuaríamos a receber diariamente um tapa no rosto desses corruptos que ainda possuem esperança de impunidade, mas que a depender dos jovens, estariam condenados, não pelas tantas “lava jatos” que hão de vir, mas pela própria cultura da mudança e a vontade de vivermos em um país melhor.

Enquanto a desonestidade motivar a necessidade de sermos honestos, nosso umbigo continuará a ser o eixo central do universo. Durmam com essa…

compartilhe

publicidade