Dois populistas, dois populismos

Rubens Figueiredo
Cientista político pós-graduado pela USP
Integrante do Conselho de Comunicação da Presidência da República (Michel Temer)
31 livros publicados sobre opinião pública, performance de governos e marketing político
www.rubensfigueiredo.com.br

Todas as pesquisas indicam que o eleitorado brasileiro terá que escolher entre duas candidaturas de viés populista nas eleições de 2022. É muito pouco provável que um candidato viável na assim chamada terceira via se viabilize até novembro. Faltam lideranças com força eleitoral e um discurso que empolgue a sociedade. As intenções de voto de Lula e Bolsonaro, somadas, chegam a 70% na maioria dos levantamentos. Historicamente, cerca de 10% dos eleitores costumam votar em branco ou nulo. Sobra muito pouco espaço – algo em torno de 20% – para os candidatos, digamos, de centro.

Lula e Bolsonaro têm muito em comum em termos de características populistas. Ambas as lideranças são personalistas e consideram-se os exclusivos intérpretes da vontade “do povo”. Nos dois casos existem um apelo ao nacionalismo econômico e um discurso de defesa da união das massas. Igualmente semelhante é a utilização de expedientes clientelísticos, seja ele o Bolsa Família, o programa Minha Casa Minha Vida ou o Auxílio Brasil. E a preocupação quase inexistente com a necessidade do governo apresentar um mínimo de disciplina fiscal. Os gastos estatais são de uma elasticidade de ginasta russa.

Mas existem, também, muitas diferenças entre o populismo de Lula e o de Bolsonaro. Lula construiu um partido gigante, o PT, muito antes de ter sucesso eleitoral. E esse partido foi muito importante na sua trajetória. Bolsonaro, ao contrário, assim como Fernando Collor, se elegeu sem ter um partido para chamar de seu. Lula também busca e tem apoio em parcela ponderável da intelectualidade, que Bolsonaro abomina. Lula manifesta preocupação com o meio ambiente e se mostra politicamente correto.

Bolsonaro acha que isso é “mimimi” e libera o garimpo na Amazônia.
Outro ponto de divergência no estilo político se refere ao negacionismo no caso da pandemia. Enquanto Bolsonaro fez questão de não admitir gravidade da crise (“é só uma gripezinha” e “não tenho com o que me preocupar pelo meu histórico de atleta”…) e desconfiar da eficácia de evidências científicas – recusando-se a ser vacinado, não usando máscara e defendendo o uso da cloroquina, por exemplo -, Lula portou-se de forma mais consentânea com o estado de nosso padrão civilizatório.

Tanto Lula quanto Bolsonaro têm birra dos meios de comunicação tradicionais, já que as redes sociais são “imbirráveis”, para usar a lógica vernácula de um ex-ministro. Mas os estilos de enxergar a questão são diferentes. Bolsonaro oscila entre o desprezo absoluto e o desejo de extermínio da mídia (principalmente a Rede Globo). Várias vezes desentendeu-se com os jornalistas, com a elegância que lhe é peculiar. Já Lula defende um enigmático “controle social dos meios de comunicação”, seja lá o que isso signifique. Ambos acham que seu desempenho político está várias prateleiras acima daquilo que é divulgado e se consideram profundamente injustiçados pelos jornalistas.

Mais um ponto de divergência se refere ao âmbito do comportamento. O populismo de direita abomina a diversidade, enquanto a esquerda a incentiva de forma festiva. A esquerda é mais condescendente com a criminalidade, que é fruto da abjeta desigualdade social. Coitado do ladrão que rouba o celular da madame. Já a direita vê o criminoso como um sem vergonha que merece cadeia e porrada, para não falar de uns pipocos disparados pelos cidadãos de bem devidamente armados. Nessa situação toda, está faltando o meio termo, temperança, bom senso e um projeto para o Brasil com começo, meio e fim. O brasileiro não merece ficar refém de uma escolha como essa. 


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